terça-feira, 18 de outubro de 2016

Artigos JD

O Semeador de Estrelas                          
E não é por nada que entre o rol das justificativas conspiratórias há o pré-sal
José Dias
Até a “descoberta” das jazidas petrolíferas profundas, amatriz energética brasileira caminhava para um outro rumo: solar e eólica, ainda que a hídrica mantivesse a primazia, por maior desastre que isso - verdadeiramente – signifique!
Até aqui, corruptos e corruptores disputavam cada metro cúbito de concreto a ser injetado e cada hectare de área a ser devastada, pouco importando a quem ou qual dano causassem: os filhos degredados das usinas hidrelétricas brasileiras não entram nas estatísticas dos sem-teto ou sem-terra gerados no seio desenvolvimentista da nação.
Mas não é esta a pior das questões.
O pior é a não geração de energia. Investimentos e danos gigantescos para não se gerar nada. Para resultados esdrúxulos, pífios, ridículos!
Mas, de repente, do nada, pózinho de pirlim-pim-pim: bummm!! Pré-sal!
Ocorre que a exploração de petróleo não é construção de hidrelétrica. Não são os mesmos custos e fatores envolvidos. Mesurar recursos hídricos não se compatibiliza com valorar commodities: estima-se que a jazida brasileira seja valorada em 16 trilhões de dólares.
Destruir a confiança e os instrumentos organizacionais nacionais para a exploração do pré-sal, ou seja: “quebrar” a Petrobrás (detentora de tecnologia de prospecção petrolífera em águas profundas), devastar a indústria da construção civil de base e infraestrutura nacional, entre outros mecanismos de sabotagem e desvalorização acionária e instabilidade político-econômica, são ações que beneficiam as empresas transnacionais interessadas na privatização da Petrobrás.
Um dos desagravos (pasmem!) que justificam a devassa na estatal é o fato da universalização dos royalties por todas as unidades da federação e a destinação destes para a saúde e a educação.
Há muitas dinastias políticas municipais e estaduais muito felizes em promoverem o desenvolvimento social brasileiro, pois não?

José Dias
O Partido dos Trabalhadores encerra, independente dos acontecimentos posteriores ao escabroso e fatídico: 17 de abril de 2016, uma página histórica da política e do desenvolvimento social e econômico nacional.
Na referida data, 367 deputados autorizaram a abertura do processo de impedimento (Lei n° 1079/1950) da presidenta Dilma Rousseff (2011-2014/2015 – 2018 (?) (PT) ), e encaminharam para o Senado, para as devidas deliberações, a mais controversa das traições palacianas já vivenciadas na história brasileira.
Nem mesmo o golpe contra Dom Pedro II (donde afirma-se que a primeira página vergonhosa da fundação da república foi a própria fundação da república!) pode ser comparado aos que se seguiram no decorrer destes parcos 127 anos republicanos.
Porém, as incoerências políticas deste início do século XXI criaram tantas monstruosidades – que puderam ser vistas ao vivo e a cores por toda a nação na supramencionada data – que o mote atemporal: “cada povo tem o governo que merece”, diante de tantas evocativas por Deus e para o bem da família brasileira, tornou-se a concretude que sustenta a verdade, a justiça e a liberdade da nação e seu débil e ignóbil povo, tão bem representado!
As controvérsias são das mais variadas formas e de visões tão caleidoscópicas, que uma investigação aprofundada, balizada e crítica acerca do que ocorreu nas últimas três décadas de redemocratização nacional só será (e se) possível no próximo século. Qualquer que seja a avaliação que se faça hoje, tão contaminadas as fontes (literalmente) e exacerbados os ânimos, que os níveis de pessoalidade e os confrontos de egos não nos permitem um mínimo de confiabilidade ou isenção de juízo de valores.
Mas há de se afirmar que mais do que lemos, vemos e ouvimos, o discreto silêncio respeitoso e o ardil oculto da destreza, neste instante, são a mais valia do poder.
Qualquer economista de bom senso e com o mínimo de conteúdo jamais poderá considerar o governo petista como “socialista” ou voltado, verdadeiramente, para o bem estar social: nunca, e em nenhuma nação cujo suposto apelo populista alcançou tamanho sucesso na implementação de medidas compensatórias na busca por igualdade e equidade social, se pagou tão superfaturadamente por algo que democrática e constitucionalmente seriam apenas cumprimentos efetivos dos direitos civis e deveres do Estado.

Acaso o descalabro desta dita insegurança constitucional e jurídica – e processual, posto que jurisprudência não falta para se atribuir responsabilidades e sanções àqueles que se beneficiam de seu poder e autoridade para deliberadamente cometer dano, denegrir, difamar, vexar a outrem em benefício de si e/ou de terceiros – se confirme, teremos decretado o fim do direito brasileiro em todas as suas varas e instâncias, pois não está em jogo apenas o direito constitucional, mas todo o processo legal que o pôs em xeque.
Mais do que a simplista tese de criminalização do Partido dos Trabalhadores, que é mais do que evidente, pois dos 367 deputados votantes a favor do impedimento, mais de 50% dos deputados são supostos corruptos e corruptores sob investigação e/ou com processo(s) já instaurado(s) no Supremo Tribunal Federal, e, por Deus e pela família brasileira, tendo como ícone – significado e significante – a liderança do presidente da câmara dos deputados (insigne douto, ilustre conviva: Eduardo Cunha), buscam a todo custo o ocultar suas máculas e alcançar divinamente o paraíso da impunidade, é preciso ressaltar que em momento algum da democracia brasileira houve – ainda que recaiam dúvidas sobre os reais interesses envolvidos e os tendenciosos procedimentos “éticos” adotados para o bem da transparência e publicidade – tamanha ação e comprometimento do Ministério Público Federal e seus agentes e instituições afins na busca de provas que forneçam bases para a responsabilização dos danos causados ao erário público.
E esta seria, talvez, a verdadeira traição da pátria realizada pelo PT: cumprir a constituição e respeitar a legalidade e a independência do MPF! Trocou o apoio político do silêncio da corrupta conivência, pela elucidação dos fatos. Diferente de seus predecessores, não há aquela figura prosaica do“engavetador geral da república”.
Segundo estimativas modestas, nacionais e internacionais, a corrupção brasileira gera uma receita líquida de algo entorno de 50 bilhões de dólares anuais. E não é de agora, mas desde sempre! Nada tão simbólico quanto ser umgigante deitado em berço esplêndido.
Há de se avaliar no porvir que apesar de personificarmos os nossos problemas sociais, políticos e econômicos na figura do(a) mandatário(a) do executivo federal, é, em grande parte, na municipalidade e na esfera estadual – verdadeiros currais eleitorais – em que a corrupção se consolida  e torna-se uma etiqueta, um modus vivendi da e para a sustentação do poder local e, consequentemente, regional.
Oriundo dos movimentos sociais e sindicais dos anos de chumbo (1964 – 1984), o Partido dos Trabalhadores, tendo Luis Inácio Lula da Silva como seu maior expoente e translúcida eminência do poder, não conseguiu isentar-se, ora como agente ou ora como vítima, deste modus vivendi.Tanto que para galgar o poder máximo do executivo teve que se aliar aos Sarney e outros neoliberais, mudando o discurso de afrontamento e enfrentamento das questões sociais, políticas e econômicas para o de coalizão, alianças e ajustes, criando uma política de barganha de cargos e orçamentos. E obras... Muitas obras!
Algo muito temerário e arriscado, mas que em uma econômica ascendente passou como se fossem medidas necessárias ao andamento do Projeto de Aceleração do Crescimento – carro chefe das mudanças propostas para o desenvolvimento social e econômico nacional, porém, com a desaceleração da economia mundial, perda de investimentos e queda das commodities, há a retração do mercado e consequente queda de arrecadação, logo, uma vez que a sustentação política para a governabilidade e governança foi embasada na barganha e favorecimentos (lícitos e ilícitos!), cessadas as fontes pagadoras, não havendo com o que mais barganhar, findam-se os acordos de cavalheiros.
As medidas que permitiram um fôlego à economia e inflaram as perspectivas de crescimento real, tais como o aumento da oferta de crédito e a supressão temporária de impostos, na recessão provaram-se um doloroso déficit nas contas públicas. Ainda que se suponha o agravamento deste déficit público por investimentos nos programas sociais (Programa Bolsa Família; Minha Casa Minha Vida; PRONATEC; e Ciência Sem Fronteiras, por exemplo), considera-se uma parcela muito pequena (cerca de dois bilhões de reais) do montante de 70 bilhões de reais, dívida pública estimada em março de 2016, e um dos argumentos para o impedimento.
Contudo, não considerar o motivo para o impendimento como no mínimo insólito, é ser ingênuo. É deixar de perceber que a grande vítima deste descalabro nacional não seja senão o direito constituicional, em primeira instância, posto que o Impeachment[1] (Lei n° 1079/1950) para ser instaurado, tem como premissa a existência de elementos comprobatórios de crime de responsabilidade por parte do chefe do executivo nacional, no caso, a presidenta Dilma Rousseff. Como não há tal circunstância, o que se tem visto e de maneira ostensiva é o uso de um elemento constitucional e legal a serviço da ilegalidade e da injustiça.
Definir como golpe é infantil. Simplista. Pueril. É bem mais do que isto.
[1] Impeachment: Palavra anglo-saxônica que denota o real mandatário da nação e os verdadeiros interesses que estão sendo defendidos por aqueles santos e devotados maridos e esposas; filhos, mães e pais; avôs e avós, insignes deputados e senadores, profundos amantes da pátria. Qual pátria não se sabe!? Mas com certeza, não esta, a qual amo e defendo, chamada Brasil!

SEGUNDA-FEIRA, 18 DE ABRIL DE 2016

17 de abril de 2016: o fim da Nova República brasileira?

José Dias
Para aqueles que se vangloriam, sob as bandeiras do combate a corrupção e por Deus e para o bem da família brasileira, há de se prever a ascensãosine qua non da direita radical e o cataclisma social nacional.
A política de consenso entre a (pseudo) esquerda do Partido dos Trabalhadores e as demais correntes político-partidárias fracassou, não por dicotomias ideológicas, mas por consagrar vícios práticos (políticos, administrativos e jurídicos) remanescentes das corruptas oligarquias que, seculares, governam colonialmente a nação e se prestam ao desgoverno em função de interesses transnacionais.
O futuro próximo afirmará a política de excessão e a instauração de um integralismo neoliberal jamais imaginado ou verificado ao sul do equador.
As conquistas sociais que - entre avanços e retrocessos - consolidaram o mínimo arranjo de garantias individuais e coletivas ao povo brasileiro, e que no governo petista deu especial atenção aos mais pobres, ver-se-ão extintas através da precarização do trabalho, terciarização do trabalho público e privado, achatamento salarial, dessecuritização e privatização da seguridade social, privatização da saúde e, fundamentalmente, sucateamento e privatização da educação, com ênfase às instituições federais de ensino superior.
Não obstante a tal previsibilidade, somar-se-á o silenciamento dos gritos dos excluídos com a execração dos grupos minoritários e suas reivindicações por justiça, igualdade e equidade.
No âmbito da empregabilidade, emprego e renda, veremos a supressão dos direitos trabalhistas e a desoneração integral da folha de pagamento em benefício dos empregadores, sem contrapartida de melhoria salarial, poupança individual ou consolidação de renda do proletariado.
Projetos de transferência de renda e promoção da qualidade de vida serão enterrados sob os escombros de uma democracia que jamais existiu, nem de fato, muito menos de direito.

A reforma agrária natimorta, quimera de mil faces da política nacional, finda sob a ditadura escravocrata e genocida dos coronéis do campo e da cidade: suas grilagens, suas lavras ilegais, seus desmatamentos tão lucrativos, e, principalmente, suas dinastias político-partidárias.
O acirramento das questões agrárias eclodirá sob a bandeira sagrada da justificativa da legalidade e da ordem institucional, levando ao extermínio centenas de famílias campesinas.
A simples hipótese de uma reforma política, territorial e fiscal, institucional, político-partidária e socioeconômica voltada para o bem estar social,por Deus e para o bem da família brasileira, encerra-se aqui. Tanto quanto a renovada velha república.
Enfim, o Projeto Getúlio e seu filho pródigo alcançaram seus objetivos.
Sic transit gloria mundi.

TERÇA-FEIRA, 12 DE ABRIL DE 2016

O país dos golpes

José Dias
O Brasil não é um país sério.  Emblemática, a frase atribuída a De Gaulle toma um ar grandioso diante do momento golpista nacional. Incrivelmente, conseguimos criar uma nova modalidade de golpe, bem mais sofisticado do que aquele que fundou a república e afundou o desenvolvimento nacional: o golpe jurídico-institucional.
Mais que isto, criamos tantos golpes dentro de um golpe, que transparecemos em gigantesca transcendência o muito ou a totalidade da nossa incapacidade democrática e a nossa total subserviência a interesses outros e de outros, que não os pátrios.
Para além da cortina azul celeste ou carmim, que deveriam apenas traduzir o respeito que se tem aos atores sociais, políticos e econômicos que sobem ao palco para representarem papéis que nós, autores de nossa própria história, designamos, há o suposto Estado de fato e de direito.

Ocorre que nem o fato e nem o direito subsistem ao descalabro de uma nação submersa em falácias e imersa na corrupção. Esta, um patrimônio cultural nacional originária da colonização, institucionalizada no império e constitucionalizada na república oligárquica do século XX.
O surpreendente do presente embate midiático entre os poderes da república não são sequer a ilegalidade do impedimento ou a respectiva segurança jurídica e institucional que deveriam ser judiciosos e responsáveis pela integridade da república, não.  
O apavorante são os reais motivos que nos trouxeram ao impaludismo político, cuja alienação, hipocrisia e ignorância são transcritas e proferidas com tal solene leviandade que crê-se que, aqui, no Brasil, somos todos, além de juízes e santos, altamente politizados. Filhos pródigos da história e pais cosmopolitas da geopolítica moderna. Mais que isto: crentes! Justos! Honestíssimos!
A verdade, se é que há alguma, é que em um país analfabeto funcional, o senso crítico equivale ao fragor apaixonado do momento no qual o cidadão apercebe-se, mais que lesado, ignorado para além de sua ignorância. Em uma sociedade estabelecida sobre o ganho a qualquer custo, onde a universalidade de direitos é uma afronta ao monopólio de determinados seguimentos e corporações, o lesa pátria é uma entidade ideológica-política. 
Para aqueles que acreditam que há uma caça aos corruptos e corruptores da pátria, há de se afirmar o ledo engano. 

QUARTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2016

Sic transit gloria mundi [Brasil revisitado]

Alexander Martin Wash
Brasília, DF, 03 de março de 2016.
Em pleno vapor a falácia vaga por todos os recantos da ignorância humana. Raros são aqueles que se dispõem a buscar a verdade e citar suas fontes com isenção de juízo de valor. Afinal, no mundo imperial, o único coletivo possível – para além daqueles ônibus e trens lotados de carne para o holocausto cotidiano – é o do genocídio consciente.
No entanto, tudo é tratado com tal pessoalidade que vivemos a era das personificações. De modo global e generalista afirma-se que a alteridade entre corruptos e corruptores nada mais é do que a defesa inconteste dostatu quo vigente. Observe-se que a expressão latina ressalta que ante bellum.
E é este antes da guerra que nos revela a transitoriedade da vida humana, sua impermanência. Todas as coisas relativas ao humano são deveras finitas. Menos a sua ignorância e a inacreditável capacidade de cometer asneiras, o que soa mais como ofensa ao asno do que crítica ao bípede depenado.
Absurdamente, vivenciamos o contraditório no contradito e no contrafeito, ou seja, apesar de transparecer que há esta contradição, na verdade ela é a sustentação do oposto inexistente, pois trata-se de um mesmo ente. E,embasado na fé cristã: nenhum reino sobrevive dividido. Logo, como a ética depende de anseios, valores e princípios comuns, não há crise alguma entre quem quer que seja. O que temos são singularidades.      
Neste sentido, surge o óbvio para afirmar o senso comum e a retórica para – diplomaticamente - refutá-lo. A dialética, uma estética romanceada da episteme, renasce das cinzas da paixão que tanto condena. E toma-se, por fim, o engodo por verdade, e todos os iludidos viverão felizes para sempre em sua mais completa subserviente obsolescência.
Gritam aos quatro ventos: Sic transit gloria mundi. E dizemos amém.

SEGUNDA-FEIRA, 26 DE OUTUBRO DE 2015

Lua Azul

Jodhi Segall
A lua brilha
Na imensidão do olhar apaixonado
Dizendo a cada qual
Que distâncias não são negociáveis

Avisa, sorrateira, que a discrição
É o sal da vida e o sol do amor

Não maltrate as borboletas
Com a cacofonia das tempestades
Não exponha as orquídeas
Aos ventos nem ao sol do meio dia

É no silencioso segredo das horas
Em que a presença se faz eterna

E, então, percebemos
Que o amor nos aprimora
Na alegria e no riso
Nosso de cada dia


segunda-feira, 23 de março de 2015

A TRAJETÓRIA DO PT E O IMPEACHMENT DE DILMA[1]

A TRAJETÓRIA DO PT E O IMPEACHMENT DE DILMA[1]

Artur Bispo dos Santos Neto

Forjado em meio às lutas operárias que marcaram a década de 1980, o PT sempre teve como principal bandeira a disputa por uma posição de proa na apologia do cretinismo parlamentar[2], haja vista que considerava como benemérita a possibilidade dereformar o capital e elevar o capitalismo brasileiro à superação de seu estágio atrófico e hipertardio. Lula, em suas propaladas campanhas eleitorais, não se cansava de afirmar o impossível, inculcando nas massas a possibilidade de reformar o capital e asseverando que o crescimento do capitalismo significava a melhoria das condições de vida para a classe trabalhadora. E contra o capital especulativo apresentava a superioridade do capital produtivo, pois mais fábrica implicaria sempre mais empregos e melhores condições de vida da classe trabalhadora.
Nos seus anos de formação o PT busca desenvolver uma luta de posição no interior das instituições burguesas. Paulatinamente, ao longo da década de 1980, vai logrando tanto a eleição de parlamentares quanto a conquista pela via eleitoral de determinadas prefeituras (São Paulo, Porto Alegre, Diadema, Fortaleza etc.), demonstrando sua forma singular de administrar o capital. Nessa época, considerava como inéditas e espetaculares as suas experiências de orçamento participativo e as concessões oferecidas a frações escassas das camadas populares, mediante sua inusitada política de cooptação e elevação de suas principais lideranças sociais e sindicais nas tarefas burocráticas e subsidiárias de administração do capital. Isso não quer dizer que inexistia em seu interior tendências que reivindicassem adesão ao pensamento marxista.
O grupo majoritário do PT, Articulação, desde seus primórdios considerava as palavras de ordem como “Governo dos Trabalhadores” ou “Partido sem patrões”, postulados pela Convergência Socialista e Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), como expressões radicais e fora da realidade. É que os trabalhadores, no seu entendimento, não reuniam condições para assumir o controle da vida socioeconômica nacional. As tendências de esquerda consideravam a Articulação (Lula, Frei Beto, Jacó Bittar, Olívio Dutra, José Dirceu, Wladimir Pomar, Marco Aurélio Garcia, Djalma Bom, José Cicote, Luiz Gushiken, Devanir Ribeiro, Luiz Eduardo Greenhalgh, Aluísio Mercadante, Francisco Welfort etc.) como tendência de direita. No começo da década de 1990, as tendências que apostavam na defesa de um partido dos trabalhadores contra o partido dos patrões foram afastadas ou expulsas do PT.
Ao longo da década de 1980, a recusa do grupo majoritário do PT em identificar-se com o marxismo estava amoldada à necessidade de abrigar em seu interior um coletivo extremamente heterogêneo e contraditório, que incluía católicos, ativistas do movimento sindical e popular, intelectuais e setores da classe média. Após figurar como grupo majoritário do PT, a Articulação atuará “como tendência plenamente constituída e suficientemente experimentada nas disputas internas para encontrar outros meios de conquistar seus objetivos sempre que o consenso mínimo em torno deles fosse mais difícil ou exigisse concessões que lhes parecessem exageradas ou desnecessárias” (COELHO, 2005, p. 199). Isso implicava que o PT precisava declarar em alto e bom tom que sua sigla não consistia mais numa organização política pautada pela independência da classe trabalhadora. No entendimento dos dirigentes petistas, a candidatura de Lula à presidência denotava que a classe trabalhadora se punha em movimento não para fazer eclodir o movimento paredista, mas para assegurar a efetivação do projeto democrático e popular. Para a ala majoritária do PT, “a hora do socialismo não chegava com a Constituinte, mas ela proporcionaria espaço para o acúmulo de forças, para lutar pela democratização radical da sociedade, para inscrever direitos como o direito de greve, enfim, para propor ‘medidas que desde já ajudam a realizar a socialização da política’” (COELHO, 2005, p. 84)[3].
Após o colapso das experiências pós-capitalistas no Leste Europeu, na Rússia e na China no final da década de 1980 e o avanço do neoliberalismo, o PT tenta adaptar-se ao quadro internacional contrarrevolucionário. Propugna a possibilidade de reformar o capital; nisso sua história se inscreve de maneira similar tanto aos partidos social-democratas quanto aos partidos socialistas e comunistas europeus. As concessões à burguesia se configuram na delimitação do “Projeto Democrático e Popular”, definido no 5º ENPT (1887), em que se acentua a “possibilidade de acordos pontuais com setores da burguesia, [...], era a senha para negociar com partidos situados fora do campo ‘democrático popular’” (COELHO, 2005, p. 86).
Para enfrentar a ofensiva neoliberal, Aluísio Mercadante defende como fundamental a “constituição de um amplo mercado de consumo de massas, medidas de radicalização da democracia (controle social do Estado e do mercado), planos para garantir o crescimento econômico com estabilidade, reforma do Estado”. Nessa perspectiva impunham-se as reformas previdenciária e tributária, o aprimoramento das câmaras setoriais, as privatizações e a reforma do Estado (COELHO, 2005, p. 234). E quando em 1994 a empreiteira Odebrecht, acusada de participar do esquema de fraudes no Orçamento federal, promove doações à campanha de José Dirceu ao governo paulista, Mercadante justifica: “Receber recursos de empresas, com transparência, fornecendo bônus e declarando, nada tem de imoral ou antiético [...] O que houve foi um erro político por receber da Odebrecht, uma empreiteira que acusamos na CPI do Orçamento de práticas ilícitas” (apud COELHO, 2005, p. 235). Eis o inusitado prólogo do movimento que culminará nas denúncias que pautam o valerioduto ou “mensalão” e a Operação Lava Jato. Em 1994, nota-se a inserção dos elementos que vão delinear a práxis petista nos anos posteriores. Escreve Coelho (2005, p. 235-236): “Conquistar o apoio, financeiro e político, de grupos empresariais era um procedimento inteiramente coerente com os objetivos políticos da Articulação e com os meios para alcançá-los, que exigiam arcar com os elevados custos de garantir competitividade nas disputas eleitorais”.
A partir de 1994, tornou-se expressiva a defesa do capitalismo como “face humana e social”. Dessa maneira, dissolve-se a distinção entre os valores burgueses e os valores revolucionários e constata-se uma unidade entre os projetos políticos centrados na busca de direitos no interior do sistema do capital e aqueles fundamentados na luta de classes e na centralidade do trabalho. Ao invés da contraposição de classe, agora se galvaniza a necessidade da conciliação de classe e de asseguramento dos interesses da burguesia. Escreve Coelho (2005, p. 240): “A burguesia, antes apontada como inimiga de classe, sócia do imperialismo e beneficiária do subdesenvolvimento, agora era vista como aliada estratégica para desenvolver o país”. E não se tratava de uma simples estratégia programática, mas da própria composição orgânica do PT, pois sem o apoio do capital o PT jamais poderia chegar à Presidência da República. No 10º Encontro do partido (1995), Lula insere os empresários na legenda do PT, nos seguintes termos:
Criamos o PT para que o povo brasileiro tenha um canal político, uma legenda que represente os interesses da maioria, uma bandeira em torno da qual se mobilizam as donas de casa e os sem-terra, os operários e desempregados, negros e mulheres, estudantes e intelectuais, produtores culturais e empresários interessados na modernização do Brasil, compatível com a redução das desigualdades sociais (apud COELHO, 2005, p. 241).
Nota-se a substituição da luta de classes pela conciliação com a burguesia e acomodação da classe operária. Na verdade, tratava-se apenas da incorporação escrita de uma prática recorrente no interior do partido; era somente a constatação do fato. O PT nunca tinha intensificado uma forma de oposição que não fosse a oposição política na perspectiva de obter benefícios eleitorais. O PT aposta na possibilidade de organização do capitalismo; para isso entende que é preciso operar a redistribuição de renda e a “ampliação da participação popular na definição de políticas públicas, cujo motor principal seria a expansão do mercado interno e a alavancagem de um novo ciclo de desenvolvimento” (COELHO, 2005, p. 514). A conciliação de classe é o leitmotiv de suas políticas compensatórias, que não passam de imagens pálidas das políticas distributivas encetadas na época do denominado “Estado de Bem-Estar Social”. O PT simplesmente desconsidera o cenário internacional, pois a colaboração de classe é insuficiente para garantir a retomada do desenvolvimento econômico do país, a expansão do mercado interno e a distribuição de renda. Segundo Coelho, o enfrentamento do problema do projeto desenvolvimentista do PT “dependeria de uma redução substantiva no volume de saque imperialista, cujo vetor importante é, desde os anos 80, a relação de crônica dependência com o capital rentista. Após recuar de todas as perspectivas de luta anti-imperialista, a esquerda do capital encontra-se desprovida de meios para lidar com este problema” (COELHO, 2005, p. 515). No fundo, o projeto democrático e popular do PT não passava de uma estratégia para demarcar posição perante a direita e afirmar-se como alternativa aos setores de esquerda e aos movimentos sociais e sindicais.
A impossibilidade de implementar a imagem mirabolante doWelfareState conduz o PT, da mesma forma que a social-democracia (PSDB), ao campo do neoliberalismo. O PT tenta conciliar o discurso sedutor da necessidade de crescimento econômico com equidade social a partir da aplicação de medidas econômicas neoliberais. No entanto, ele assume somente a primeira parte; a segunda, esconde delas. A crise do Governo Dilma Rousseff é expressão do dilema entre duas propostas aparentemente contraditórias, mas que servem aos mesmos objetivos: ao processo de reprodução do capital e ao aprofundamento do processo de expropriação da força de trabalho.
Para a esquerda do capital é fundamental manter as massas desorganizadas ou sob a sua tutela, pois caso perca o controle das massas, essa esquerda perde seu poder político para representar os interesses do capital. Escreve Coelho (2005, p. 517):
Se as medidas de contenção falharem diante de um ascenso reivindicativo que ela não possa controlar ou dirigir, a esquerda do capital se arrisca a perder tudo: os postos de direção nos movimentos da classe trabalhadora podem ser conquistados por forças comprometidas com o movimento que deseja brecar, e seu poder de barganha junto aos dominantes pode desaparecer junto com o seu papel de amortecedora dos conflitos.
A condição ideal da esquerda do capital é que exista uma polarização entre esquerda e direita, em que ela seja sempre o polo aglutinador da esquerda. No entanto, observa Coelho (2005, p. 517), “mesmo nesta situação hipotética, porém ela ainda teria de conviver com o risco onipresente de uma explosão reformista e desenvolvimentista e a extrema dificuldade para fazer reformas e garantir o desenvolvimento”.
É possível afirmar que nos três primeiros mandatos, a esquerda do capital (Lula e Dilma) foi bem-sucedida nesse empreendimento e que transitou com maestria na conciliação entre o discurso “desenvolvimentista” e o projeto neoliberal. Observa-se que o PT conseguiu renovar as políticas neoliberais através do discurso “desenvolvimentista” e da política de conciliação de classe, logrando reciclar o neoliberalismo e os ataques aos direitos dos trabalhadores.
A capacidade de operar no terreno da conciliação de classe faz do PT uma rubrica distinta da direita. Os governos petistas sabem como manipular as contradições e fazer desaparecer, num base de mágica, a diferença entre as classes sociais, mediante suas políticas de cotas para negros, índios, mulheres, homossexuais etc. E enquanto seu antípoda ri da situação deplorável dos miseráveis e os entrega à sua própria sorte, os governos petistas são capazes de derramar suas lágrimas carpideiras em nome dos que sofrem danos, pronunciando discursos fúnebres sobre vítimas que eles mesmos ajudaram a promover. Assim, enquanto a ultradireita recusa os programas assistenciais e acusa os miseráveis de se aproveitarem da própria miséria, o PT elege a defesa dos miseráveis como sua bandeira de justiça e equidade social. E, indubitavelmente, esse segmento garantiu a reeleição de Dilma no segundo turno. No entanto, as suas medidas compensatórias e reparadoras não conseguem nem mesmo arranhar a superfície do sistema do capital, quanto mais promover mudanças substanciais. Assim, enquanto o PSDB e a ultradireita (Bolsonaro) espalha seu sorriso mefistofélico perante o crescimento da pobreza, desdenhando da sorte dos miseráveis, o PT verte suas lágrimas de crocodilo por esses mesmos miseráveis.  
A sua sagacidade permite que num instante chore sorrateiramente pelos vitimados de uma barragem ou pelas famílias que insistem em punir os atos desumanos praticados pelos militares; no outro, o PT pode sorrir radiantemente com os capitalistas quando da inauguração de um novo banco ou dum aeroporto ou rodovia construída com verba pública, para em seguida ser privatizada. Assim, ao invés de romper o processo de privatização, o governo Lula manteve a política de privatizações de FHC, privatizando (mediante sistema de vendas ou concessões) 2,6 mil km de rodovias federais (2007), a Ferrovia Norte-Sul, os bancos do Ceará e Maranhão, as hidrelétricas Santo Antônio, Jirau, as linhas de transmissão Porto Velho (RO) e Araraquara (SP), alguns campos da bacia de petróleo do pré-sal e parte da Petrobras. Dilma, por sua vez, terceirizou os Correios e privatizou (mediante sistema de concessões) os aeroportos de São Gonçalo do Amarante (RN), Guarulhos (SP), Cumbica (SP), Viracopos (SP), Juscelino Kubitschek (Brasília), Galeão (RJ), Confins (MG), os hospitais universitários, duas rodovias e o Campo de Libra (Bacia de Santos) etc.
O segundo mandato de Dilma Rousseff começa com o anúncio do processo de privatização da Caixa Econômica Federal. A listagem das empresas privatizadas atesta como a esquerda do capital fala uma coisa e faz outra, como ela age em plena consonância com a direita do capital (PSDB e consortes). Cumpre observar que metade das empresas contempladas nos dez leilões destinados às concessões de rodovias e aeroportos, entre 2012 e 2013, foi ganha pelas construtoras envolvidas na Operação Lava Jato (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, UTC e Odebrecht). Todas elas têm um amplo histórico de corrupção e suborno, não há como negar que estão envolvidas até a medula no processo de formação de caixa dois para alimentar as campanhas de candidatos da esquerda e da direita do capital. Paralelo pode ser encontrado na história das instituições financeiras, como revelaram as “denúncias do mensalão”. Tais denúncias atestam o envolvimento de Dilma e Lula, e denotam que eles deveriam não apenas ser afastados como irem para a cadeia, por formação de quadrilha e roubo ao erário.
Essa práxis reiterativa serve para explicar por que em nenhum instante a esquerda do capital salientou a possibilidade de rever o processo de privatização orquestrado pelos governos FHC e Collor, pois ela mesma sempre defendeu programaticamente a privatização; no entanto, procurou esconder isso das massas. Da mesma maneira, em nenhum momento a esquerda do capital imaginou a possibilidade de auditar a dívida pública, pois a sua palavra de ordem é efetuar cortes no orçamento público, desconsiderando acordos estabelecidos. Enquanto o governo federal gasta R$ 169 bilhões com servidores ativos e aposentados, 25 bilhões para o Programa Bolsa Família, ele destina quase R$ 890 bilhões para o pagamento do serviço da dívida pública. Lula e Dilma destinaram, entre 2003 e 2014, mais de 8,8 trilhões para o pagamento da dívida pública. Enquanto destina 7,7% do Orçamento da União para as áreas de educação e saúde, o referido governo destina 42% para os banqueiros, sem contar as distintas políticas de renúncia fiscal e subsídio aos banqueiros e empresários. (AUDITÓRIA CIDADÃ, 1014; MONITOR MERCANTIL, 2014).
Os três mandatos do PT na Presidência da República revelam como a forma petista de governar destaca-se pela sua capacidade de constituir uma teia de relações que envolvem e prendem as organizações sociais ao processo de reprodução do capital. Entre esses tentáculos destacam-se as concessões do capital aos movimentos sociais do campo e da cidade, mediante a liberação de verbas e o financiamento de inúmeras atividades. Entre as ações realizadas pelos movimentos sociais em parceria com o governo federal, o diretor do Instituto Lula e ex-ministro da Casa Civil, Luís Dulci, menciona as grandes marchas realizadas para Brasília, como a “Marcha das Margaridas” e os “Gritos da Terra”, e ainda, as inúmeras atividades estaduais realizadas pelo MST e consortes, como os assentamentos e as “Paradas Gay”. Para Luís Dulci, o governo Lula financiou a realização de 63 conferências nacionais, que mobilizaram mais de 4,5 milhões de pessoas (PASSA PALAVRA, 2015, p. 3). O aparato do Estado foi posto em curso a serviço dos interesses dos “trabalhadores”, quando na verdade tratava-se de constituir uma teia de influência que prendia as organizações sociais aos interesses do governo e à necessidade de garantir a governabilidade do governo Lula. É contra o fantasma da ameaça de crescimento da extrema-direita que se coloca a necessidade das organizações populares e dos movimentos sociais apoiarem o governo do PT. É nesse contexto que ganha expressividade o discurso do PT como o mal menor tanto nas eleições de 2014, quanto perante a possibilidade de crescimento da campanha pelo impeachment de Dilma em 2015.
O problema é que por trás do discurso do Instituto Lula e dos apologistas do cretinismo parlamentar subsiste o próprio legado histórico construído pela legenda petista ao longo dos seus 35 anos de existência. Sobre esse legado se encontra farta documentação e material jornalístico reportagem de como passou mais de duas décadas a adular a burguesia nacional e internacional e como, para garantir a preservação do status quo, teve de dormir com aqueles que outrora negava. De forma que passou a considerar Fernando Collor, Maluf, José Sarney e Renan Calheiros como amantes belos e singelos. Assim, a pureza de sua “bela alma” juvenil foi completamente contaminada e maculada pelas práticas orgiásticas e dionisíacas das atividades parlamentares. Como sua alma pertence completamente ao capital, cada denúncia proferida de sangria dos cofres públicos serve somente para lançar seu sorriso sarcástico, pois aprendeu a desdenhar de todas as denúncias (valerioduto e Operação Lava-Jato)[4]. O PT se acha submerso no pântano lamacento da pilhagem da riqueza produzida pela classe operária, porquanto inscreveu sua história com a mesma tinta das classes que aparentemente dizia combater.
A obra de arte do PT está em plena sintonia com os tempos hodiernos, em que nada de grande pode ser realizado sem o apoio do capital. A sua alma não lhe pertence, mas pertence ao capital, que o encheu de louros e fortuna. Assim, plasmado pela corrupção pode afirmar num tom feérico e fáustico: “esta é uma época em que já não é possível realizar uma obra de modo piedoso, correto, com recursos decentes. A Arte deixou de ser exequível sem a ajuda do Diabo e sem fogos infernais sob a panela...” (MANN, 1994, p. 672). Apesar de o estranhamento em relação à classe operária ser completo, o PT insiste em manter seu pé esquerdo no interior das organizações operárias e dos movimentos sociais; mas o seu pé revela muito mais asco e sujeira, denotando existir “algo de podre no reino da Dinamarca”.
O segundo mandato de Dilma demonstra os limites para persistir na conciliação do discurso “desenvolvimentista” com a prática neoliberal. A crise econômica internacional impõe a redução das taxas de crescimento do país e suscita dificuldades para manter as políticas compensatórias ou de redistribuição de renda. Isso implica a impossibilidade de oferecer uma face humana para o capital. Com isso cai o véu da separação entre esquerda e direita do capital, pois o governo Dilma faz tudo que o PSDB faria. A inexistência de desenvolvimento econômico implica a débâcle do programa petista de governar, pois nenhuma concessão pode ser feita à classe trabalhadora e as políticas compensatórias reparadoras terão de ser reduzidas para ampliar as taxas de acumulação do capital.
Acerca do impeachment de Dilma
A campanha orquestrada de impeachment da presidente é indubitavelmente organizada pela direita e visa aprofundar os ataques aos interesses da classe trabalhadora. A campanha é produto dos reflexos da crise econômica internacional no interior da economia brasileira, pois é notório o processo de desaquecimento da economia e o aguçamento da crise do setor industrial (REVISTA ECONOMIA BRASILEIRA, 2014; SISTEMA FIEGRS, 2014; VIVAS AGÜERO, 2014). Apesar do incentivo fiscal do governo e do rebaixamento do valor da força de trabalho, a indústria brasileira não tem nem mesmo conseguido preservar sua posição no mercado interno, ante a avalanche dos produtos asiáticos.
Para assegurar suas posições econômicas, o governo precisa cortar gastos que afetam tanto o direito dos trabalhadores quanto os benefícios fiscais concedidos aos empresários (MP da desoneração fiscal), preservando os interesses dos grandes banqueiros. A política de austeridade do novo governo implica o corte imediato de 30% das verbas destinadas à educação e impõe a necessidade de nova reforma da Previdência (fórmula 85 anos para as mulheres x 95 anos para os homens) e a votação do PL 4.330/04, que amplia o processo de terceirização e flexibilização das relações de trabalho.
A crise tem afetado de forma particular também a classe média; esta imagina que o impeachment solucionará seus problemas imediatos, quando na verdade as propostas da direita do capital (PSDB e consortes) intentam aprofundar os ataques aos trabalhadores assalariados. Assim, a implementação de um governo que reduza as políticas compensatórias não resultará na recuperação do poder aquisitivo da classe média ou da pequena burguesia, pois somente pretende retirar mais ainda dos miseráveis para entregar aos banqueiros. A classe média está impossibilitada de enxergar qualquer saída que não seja aprofundar ainda mais o estado em que se encontra. Assim, ela serve aos interesses que, em última instância, não são os seus, mas do grande capital. Impossibilitada de apostar num processo revolucionário, ela serve aos interesses do capital e apressa os passos para a sua proletarização.
As organizações de direita possuem um espaço significativo no interior das classes intermediárias; não é à toa que se irradiam e crescem no interior da sociedade valores reacionários e conservadores, que mimetizam os preceitos axiológicos que animaram a “Marcha da Família com Deus e a Propriedade Privada”. Com isso, os bucaneiros do capital aparecem atacando os direitos das mulheres, fazendo a apologia do regime militar, defendendo a sacrossanta propriedade privada, bem como a família e a religião. Entre eles se destacam Bolsonaro, Feliciano, Lobão, Eduardo Cunha etc.
Embora não se possa desconsiderar a possibilidade de a campanha do impeachment ganhar volume e possibilidade de efetivação, pelo forte papel desempenhado pelos meios de comunicação de massa, isso de maneira alguma altera a condição do governo Dilma. O impeachment não suscita a luta de classe, porque o projeto do PT e do governo Dilma Rousseff representa a subordinação do trabalho ao capital, e não o contrário. Por isso os acenos verbais e retóricos de Lula para a classe trabalhadora não passam de uma farsa que pretende tão somente garantir a governabilidade. Os acenos visam somente fortalecer o governo Dilma, para que este possa recuperar a popularidade perdida. Desse modo, o movimento contrário ao impeachmentnão pretende despertar as massas de seu sono de classe, mas simplesmente manipular a consciência das massas no sentido de continuar alimentando as ilusões com o PT e o governo instituído. No fundo, o movimento anti-impeachment não tem como intuito despertar as massas e impulsioná-las para a luta, mas servir como freio das lutas realmente classistas e que pretendam radicalizar suas posições em defesa do trabalho. Não é à toa que a campanha anti-impeachmenté organizada pela burocracia sindical e pelo aparato das organizações sociais alimentadas e agraciadas com recursos governamentais.
O discurso da necessidade de interceptar o mal maior representado pela direita e que exige a constituição de uma frente nacional ampla e irrestrita não passa de uma estratégia para ludibriar as massas. Este discurso foi bem-sucedido no segundo turno das eleições presidenciais e serviu para reconduzir Dilma Rousseff à presidência, uma vez que se difundiu a ameaça que representava o PSDB no processo de cerceamento dos direitos trabalhistas. Foi amplamente propagada a possibilidade de aguçamento da violência no campo com o cerceamento do processo de suspensão das inúmeras linhas de crédito abertas para os agricultores sem terra assentados pelo Governo Federal. Além disso, a possibilidade de cortes de financiamento da Caixa Econômica para subsidiar programas como Minha Casa Minha Vida para pessoas dos movimentos sem teto, bem como os cortes nos programas assistenciais, como Bolsa Família etc.
O discurso do PT como o mal menor é uma falácia e busca assegurar a dominação do capital sobre o trabalho. Ao invés de contrapor-se à possibilidade de retirada dos direitos dos trabalhadores, a agenda econômica de Dilma passa claramente pelo ataque direto ao trabalho, pois essa é a única maneira de assegurar os interesses do capital. Somente por meio da ampliação do processo de expropriação de mais-trabalho é possível ao capital garantir a sua sobrevivência. O capital não pode assegurar sua reprodução de outra maneira, porque acumulação de riqueza é acumulação de mais-valia. A tarefa do Estado é garantir esse processo de expropriação. As primeiras medidas de Dilma visam manter o processo de expansão e acumulação do capital; para isso os direitos dos trabalhadores serão atacados com a aprovação do PL 4.330/04 e da lei que regulamenta o direito de greve do funcionalismo público (ambos em tramitação).
Por isso que o PT precisará tanto de Joaquim Levy e Armando Monteiro quanto da Miss Motosserra Kátia Abreu, pois a natureza do desenvolvimento do capital brasileiro sempre esteve assentada na produção agrícola para a exportação como elemento fundamental para produzir os excedentes necessários à compra dos produtos manufaturados. A superexploração da força de trabalho sempre foi a peculiaridade do capitalismo dos trópicos; por isso a classe operária não deve se escandalizar se uma vez ou outra se precisar usar de alguns tratores para passar por cima de suas miseráveis moradias ou se uma vez ou outra se precisar passar a motosserra em alguns corpos humanos, como passam anualmente em milhões de árvores; afinal, o exercício do governo exige o sacrifício de algumas vidas. Uma vez ou outra será preciso fazer alguns despejos e massacres para assegurar a existência da sacrossanta propriedade privada; para isso se necessita investir ainda mais nos aparatos de segurança. Não se pode esquecer que foi o governo Lula que criou, em 2004, a Força Nacional, uma tropa nacional de elite preparada para coibir os “distúrbios civis” e ajudar na política de extermíniodos jovens desempregados. No entanto, nada disso deve escandalizar as almas puras que acreditam no PT, pois é preciso ser mais duro com aqueles que querem desestabilizar o sistema e impedir o cumprimento da agenda positiva (Proifes, Reuni, Ebserh, PL 4.330/04, Lei Anti-Greve, Privatização da Caixa Econômica Federal, Contrarreforma da Previdência, Privatização da Petrobrás etc.) dos petistas.
Essas medidas serão reiteradas sempre que a vanguarda operária (estudantil etc.) tentar aguçar a luta de classes, porquanto a recorrência ao aparato policial é necessária para demonstrar os estreitos limites da liberdade destinada à classe trabalhadora. A criminalização dos movimentos sociais será sempre recorrente para denotar que o périplo trilhado pela classe operária e pelos movimentos sociais está plenamente prefigurado pelos representantes do capital. Os ministros chefes da Casa Civil, do Incra, da Funai e dos programas sociais existem para mostrar o caminho que cada um dos movimentos sociais deve trilhar. Para isso será sempre possível destinar alguma soma dos recursos governamentais. Tanto a CUT quanto o MST conhecem bem esse caminho, e devem servir de exemplo aos demais movimentos sociais. Daí por que essas organizações devem ocupar papel de proa na luta contra o impeachment de Dilma.
Os revolucionários e militantes anticapitalistas devem contrapor-se às bandeiras assentadas no impeachment, sejam elas favoráveis ou contrárias, porque não passam de disputas em torno do cretinismo parlamentar. Trata-se de uma disputa de direção do controle da classe trabalhadora. A questão que se coloca é quem reúne as melhores condições de assegurar a dominação do capital sobre o trabalho, ou seja, quem pode desferir os ataques mais certeiros contra a classe operária. A direita do capital aposta mais nas medidas repressivas que nas ações persuasivas; a esquerda do capital aposta mais nas ações persuasivas. Mas coerção e persuasão fazem parte do léxico de ambas. É a possibilidade de convivência amigável com os aparatos repressivos do Estado que conduz a esquerda não petista à convivência harmoniosa com a esquerda petista, preferindo Dilma a Aécio. Em nome da preservação do estado de direito burguês e das liberdades afirmadas pela burguesia, a esquerda não petista prefere a esquerda do capital. Com isso se abandonam a crítica revolucionária e a práxis revolucionária, e se sucumbe ao reformismo. O PT é o partido da reforma do capital e o partido da ordem. A única coisa que ele pode fazer é se apresentar como o mal menor; ele deve sempre explorar a possibilidade do pior, por isso deve chegar para os trabalhadores e propor: Vocês preferem o estado de direito ou a ditadura militar? Vocês preferem a liberdade burguesa ou a ditadura burguesa expressa no fascismo? Ele nunca vai dizer para a classe operária que ela tem a opção de escolher o capital (fascismo ou democracia burguesa) ou o socialismo. Para o PT não existe alternativa ao capital, pois o capitalismo é a melhor de todas as sociedades possíveis. Quer se iludir quem imagina que o PT pode passar disso.
A campanha pró-impeachment pode servir para afastar a possibilidade de continuidade do PT no governo no próximo mandato e expulsar o espectro Lula em 2018. O tamanho das denúncias envolvendo Dilma depende do tamanho das manifestações populares, se crescerem as manifestações pró-impeachment crescerão também as provas que atestam o caráter corrupto e corruptor do atual governo. Por sua vez, a saída de Dilma do governo não deve implicar a entrega da presidência para o PMDB de Michel Temer, de Cunha e Renan Calheiros; estes também estão envolvidos na Operação LavaJato, segundo denúncias do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, da mesma maneira como está envolvida frações menores da cúpula do PSDB. Indubitavelmente, todos os presidentes (Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma) do Brasil deveriam estar atrás das grades. A pilhagem e o saque do erário são a palavra de ordem de todos eles (governos civis e militares).
É preciso salientar que a saída do governo Dilma, se acontecesse, não resultaria do fato de este ter se colocado do lado dos trabalhadores; por isso os trabalhadores não deverão sair em sua defesa, mesmo que a CUT e o MST, enquanto correias de transmissão do PT, tentem apresentar um quadro classista para o impeachment. Todas as posições do governo Dilma claramente se colocam do lado do capital e contra o trabalho. Por isso o debate sobre o impeachment não interessa aos revolucionários, porque não representa a possibilidade de mudanças substanciais. O que interessa aos revolucionários é um processo revolucionário e uma luta que conduza à derrubada completa do poder instituído para controlar o trabalho.
O governo do PT é tão corrupto e tão destrutivo aos interesses da classe trabalhadora quanto os governos do PSDB e do PMDB. Um governo corrupto e inimigo dos trabalhadores não merece nenhum apoio dos revolucionários e dos setores anticapitalistas. Os revolucionários devem afirmar categoricamente: Fora todos, e prisão para todos os representantes do capital! Porque vivem do roubo e da pilhagem do trabalho alheio. Abaixo o parlamento burguês e as instituições burguesas. Somos pela revolução como única forma de eliminação do poder corrupto da burguesia. Enquanto existir burguesia e enquanto existir capital, haverá a corrupção parlamentar e a exploração do trabalho. Chega de medidas paliativas e de mudanças superficiais. Devemos lutar por mudanças estruturais. Por isso somos por uma revolução social e política que conduza a uma forma de produção organizada e controlada pelos trabalhadores associados, livres e universais.
É preciso salientar que a crise de gestão do Estado burguês é expressão da crise econômica que perpassa a economia nacional e internacional. O problema não será solucionado nos marcos da esfera parlamentar e da preservação da institucionalidade burguesa. A crise política é expressão da crise estrutural do sistema do capital e não poderá ser solucionada nos limites do sistema do capital. Nesse contexto é preciso desencadear uma ofensiva socialista, pois somente assim será possível operar mudanças substanciais e interromper definitiva com todas as políticas de austeridade implementadas contra o trabalho e contra todo o processo de exploração da força de trabalho e de apropriação privada da riqueza produzida pela humanidade.
Referências bibliográficas
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VIVAS AGÜERO, Pedro Hubertus. Prognóstico econômico do Brasil– 2014-2015. Observatorio de laEconomíaLatinoamericana, Número 201, 2014. Endereço eletrônico: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/14/prognostico-economico.html