quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Lições Marianas

Lições Marianas


Thiago Arcanjo Augusto Madeira Leão

Inferno são os outros

JPSartre



No calor das chamas incendiárias nada há que não seja desespero, angústia e medo. A fumaça espessa e escura, tóxica e letal provoca a morte súbita de milhares de pessoas, posto que não apenas aqueles que fisicamente nos deixaram, morreram. Em sua maioria, jovens entre 14 e 25 anos. Nesta tragédia, não há sobreviventes. Santa Maria é uma cidade querida. Há muito de mim e dos meus nestes prados em que outrora apaixonadamente cresci. Santa Maria é uma cidade emblemática na cultura farroupilha e mãe do desenvolvimento agrário riograndense. Uma das pioneiras na construção do conceito de cidade universitária, produtora e exportadora de ciência, tecnologia e inovação; uma cidade militar e estratégica na defesa do território brasileiro; uma cidade média, mas cujo comprometimento civil difere-se da grande maioria, ofertando ao Brasil e ao mundo uma infindável lista de homens e mulheres públicos de renome e profissionais cuja excelência é por todos enaltecida. O Rio Grande do Sul é um Estado diferente dos demais. Sua contribuição histórica sempre nos direciona a questionamentos que vão para além do capital, da educação, da saúde e da economia. Fora a dita revolução Farroupilha, nos momentos cruciais da ingerência política nacional, a bandeira e o hino gaucho sempre se posicionaram na ponta de vanguarda da nação, ora conduzindo com firmeza o desbravamento de novas fronteiras, ora expondo-se com destemor ao fogo inimigo em razão de um bem maior: a construção de um país justo, livre, soberano. Pode-se afirmar que São Paulo é o coração da economia nacional; que o Distrito Federal é o estômago; que Minas Gerais é a garganta; mas o Rio Grande do Sul sempre será a dorsal que a todos une e como sólidos pés seguros os sustenta na temperança, no labor silencioso e discreto, na humildade orgulhosa de sua família tradicional e nos modos e coisas não pecuniárias, que transcendem o senso comum e fazem dos trigais, vinhedos e estâncias um esplendor divino de gratidão ao passado e esperança no porvir. Santa Maria chora seus filhos pueris e inocentes mortos. Não os pranteia sozinha. Uma pátria inteira e universal chora consigo. Contudo, mais uma vez e lugar comum, aprende-se mais com a tragédia colossal do que com os diários de amor e harmonia. Infelizmente, a dor da perda irreparável nos traz ao olhar desencantado sobre nós mesmos e a sociedade que – em atos, palavras e omissões – construímos. Uma nação atônita é obrigada a ajoelhar-se diante de Santa Maria e refletir sobre os rumos que doravante tomará. Não cabem críticas ao acrítico. Não há como dotar de dolo aquilo cuja responsabilidade é de toda uma nação. Cada brasileiro é diretamente culposo por descalabros como este. Somos nós, indivíduo e coletividade, que nos proporcionamos este espetáculo midiático cotidiano realizado em horrores e impunidades, em corrupção e descaso. Antes fosse um caso isolado. Mas não. Pelas inundações e suas vítimas; pelos naufrágios e seus náufragos; pelos homicídios fúteis e diários; pelos motoristas bêbados; pelos traficantes e seus drogados; pelos nossos idosos espancados, explorados e abandonados à revelia do destino; pelas nossas crianças destituídas de presente; pelos nossos sem teto; pelos nossos sem terra; pelos nossos sem saúde, educação, família; pela nação sem hino, bandeira, ou causa; pelos sem Estado, rogai por nós, Santa Maria!